domingo, 5 de abril de 2009

Epifanias sobre o fim de um verão triste.

Verão, meu bem. O verão acabou. Finalmente chegaram as águas de março e só agora consigo alcançar a calma que preciso ter para escrever sobre ti; tudo entra agora em um estranho ritmo, quase-ritual, de início de outono e as ruas estão sempre mais vazias. A velha preguiça ao me levantar da cama pela manhã voltou, já posso usar minhas roupas habituais, as crianças que brincam em frente a minha casa estão um pouco mais silenciosas, meus banhos de final de tarde estão novamente funcionando como tranqüilizantes, meu café volta sem culpa a me fazer companhia durante todos os intervalos de cinco minutos que tenho durante todo o dia e até o canto dos pássaros é diferente. Em meio à todo alívio que sinto com o fim do verão, desponta dentro de mim uma pontinha de culpa por desejar tanto que cheguem logo os outonos com seus abrils e maios – ironicamente, meu amor, a primeira vez em que pude tocar teu rosto foi em uma tarde quente de um lindo verão.
Muitas luas já passaram por cima da primeira vez em que te vi. Todas as outras estações do ano já se repetiram e se repetiram também muitas outras que não existem no calendário. Atravessei agostos cortantes e julhos inteiros de saudade, admirei primaveras solitárias e vi chegar novamente os tristes verões que tanto me doem.
Aos finais de semana, meu querido, geralmente acordo sozinha. Ninguém em casa e a brisa leve que entra pelas frestas da porta diretamente da rua são uma marca intransferível do outono. O ventinho frio me toca os pés, o café feito bem antes de que eu acordasse espera pela minha caneca; imediatamente após a minha primeira – e mais gostosa – refeição, me recolho para um livro. Prefiro assim, com o silêncio dos móveis que não têm mais com quem conversar. Já tentei dar um jeito no meu quarto, mas sabes bem que não nasci pra isso – preciso me distrair, sento à janela, observo o jardim, tento assistir um filme qualquer. God knows como odeio a televisão! Música, talvez.
Acontece que, meu bem, por mais que eu me movimente por aqui, teus traços estão impregnados em todas as paredes que posso ver. Loucura ver tua imagem em todos os cantos deste lugar quando tudo o que existe ao meu redor é uma espantosa solidão. Tuas mãos, meu amor, tuas mãos e tudo o que elas seguraram, inclusive eu. Meus cabelos, meu travesseiro, minhas roupas e minhas próprias mãos também. Eu não fui abençoada com o dom das palavras, e muito menos sei desenhar, mas nenhuma outra pessoa no mundo além de mim sabe da vontade – e necessidade – que tenho de descrever e reproduzir tuas mãos em alguma folha branca de papel. O papel aceita qualquer coisa, jamais me recriminaria por errar teus traços ou distorcer tua ortografia. Uma outra forma de liberdade.

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