sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

"Toda literatura é uma espécie de fraude"

Mais do que por exigir o eterno do perecível, mais loucos ainda somos de acreditar que todas as tentativas de explicar o inexplicável vão nos salvar da fatal solidão a que estamos todos irremediavelmente fadados.

Acontece mais freqüentemente quando faz um calor como este que faz hoje, tenho reparado nos últimos meses. Tenho pressão baixa, dear reader, e até banho frio tomei para evitar o desmaio, mas parece não adiantar. Meus olhos saltam da cara para reparar em detalhes que (possivelmente) vejo todos os dias, mas nunca enxergo, com mais força em dias assim. Talvez as cores que ficam mais turvas com o vapor que sobe do asfalto enquanto troco pensamentos matinais por injúrias mau-humoradas, não sei. Os livros sempre dizem que não se pode separar olhos de coração, olhos de mente, e começo a acreditar que é verdade não só porque acredito cegamente em meus escritores, mas porque ando sentindo na pele. Como atravessar com tamanha violência a matéria de tudo que encosto sem que isso ocorra com o mesmo ímpeto com meus sentimentos? O ciclo seco, sweetheart, o ciclo seco. As ações involuntárias e voltadas exclusivamente para dentro, inseparáveis do que toco e enxergo. Paredes pixadas, muros e ruas imundos, pessoas enclausuradas dentro de si mesmas e tudo o mais que se vê por aí a cada hora, a cada passo; percebo que minha São Paulo e eu somos necessariamente indissociáveis, e não digo isso levando em conta minhas pequenas explosões de paixão que descubro por este lugar a cada dia, mas levando em conta todos os aspectos ruins, insuportáveis, de tudo o que me cerca: a temperatura constantemente absurda, o cheiro de mijo por qualquer canto em que boto os pés, a falta de simpatia, a pressa demasiado enlouquecedora, o caos do trânsito, a calamidade pública, a lei do atrolho que não deixa que nós, fieis e perseverantes, fiquemos em paz por um só dia sequer. Traços que venho absorvendo com o passar dos anos desde que nasci, e que não são mais tão poucos assim, compreende? Por mais que não consiga me sentir parte desta esfera, como posso pensar em viver em outro lugar com sinais tão marcantes e irreparáveis desta cidade em mim? Que outro espaço no mundo me aceitaria tão fervorosamente pau-lis-ta-na? Não me refiro ao que se pode ver, mas à essência. Ofuscante essência quieta e calada que consome minhas horas, joga sal nas feridas abertas da minha saudade, de sabor tão intragável. Existe sempre alguma coisa ausente.

Home is where heart is, eu sei. Mas acontece que tenho muitas casas... e sou uma só.

(13/01/2009)

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