Não olhe para mim com estes olhos de culpa de quem nada pode fazer pela minha dor. Entenda, meu querido, ser você o motivo pelo qual eu choro hoje não te faz senhor das minhas lágrimas. Sabe que não consigo agir com rudeza contigo, mas, ouça bem, o que sinto por você é um problema meu. E de mais ninguém. Não encho de dedos uma só mão com quantas pessoas ouvem meus lamentos, aprendi a sorrir enquanto sangro e a passar aos outros a calma que não tenho. Me envergonho de ser gente quando sou obrigada a admitir que nós, seres humanos, só aprendemos quando não há mais o que se fazer; foi só quando me vi de mãos atadas ao pescoço que me dei conta de que mais nada estava ao meu alcance.
Os pintores, meu bem, passam a vida inteira tentando encontrar o tema certo. Seu próprio tema, pessoal e intransferível, seu objeto de paixão, o que inspira. Diz-se que os que encontram enlouquecem, pintam oitenta vezes a mesma coisa, viram escravos do ardor, nunca mais se libertam do que tanto procuraram. É o que os move, o que os alimenta, o que faz nascer sua arte; uma outra vida entre o cheiro de terebintina e o chão sujo de tinta. Eu, meu amor, mal sei segurar um pincel e não sou, definitivamente, uma artistas das telas – e por ser uma mera mortal, não sei o que fazer com este tema que encontrei e que é fardo pesado demais para estas minhas mãos que jamais reproduziriam um traço sequer: você.
Por que, meu Deus, foi cair esta cruz logo sobre meus ombros? Se eu soubesse pintar, meu bem, com certeza pintaria sua mão centenas de vezes. Viveria cercada das telas que haveria feito das duas mãos mais bonitas que já tive o prazer de ver. Pintaria seus cabelos, seus pequeninos cachos, os fiozinhos avulsos e espiralados que caíam sobre sua testa... Pintaria seus olhos, traduziria em cor toda a calma, toda a leveza... Pintaria seus ossos tão sutis, tão bem definidos, tão confortáveis... Pintaria a cor da sua pele com alguns tons de sol misturados à café... Pintaria suas curvas... Pintaria com riscos firmes os traços tão fortes do seu rosto, com corres gritantes e melancólicas, porque nem sempre a reprodução tem a obrigação de ser fiel à realidade. Faria como quisesse, seria o criador e a tua imagem minha criatura, usaria as cores que bem entendesse, a escala que bem entendesse, o formato que bem entendesse.
É uma pena que não tenha nascido dotada de tal bênção. A única coisa que me cabe tentar são as palavras, e nem com elas consigo chegar perto de você. Elas sempre me fogem quando tento contar ao papel sobre meu sentimento. Só minha garganta tem esboçado qualquer reação sobre você ultimamente, não sei mais como amansar este nó que me restou, este engasgamento, essa angústia querendo saltar pela minha boca. Meu amor, não é mais tristeza o que sinto, é frustração. Um sentimento de derrota que não suporto mais. Quantas vezes ainda vamos começar do zero? Quantas vezes ainda vou te perder para sempre? É a primeira vez que te vejo toda vez em que te vejo. Não sei onde termina meu amor e onde começa minha obsessão. Sei quando é loucura e quando não o é, e das poucas certezas que tenho, a primeira delas é que inventar nosso encontro não foi mera insensatez.
Quando você se for, meu bem, quando você se for de verdade, quando você crescer, quando você escolher uma estrada na qual eu não estou, isto tudo parecerá uma quimera. O que vivo terá cheiro de sonho, de realidade paralela. O que levarei de real e palpável destes tempos tão ingratos quando o futuro finalmente chegar? Quando você se for, meu amor, o hoje será um buraco, uma mancha negra sem cor, sem vida. Quando você se for, até as lembranças morrerão. Um filme, uma música, um livro, uma novela... Você, o personagem principal no enredo em que eu vou figurar. Um anjo, demônio, qualquer criatura que me aproximou de Deus ou do Diabo. Você vai ser somente o que não chegamos a ser. Tudo o que sou hoje.
Me divirto ao me lembrar das brincadeiras que não fizemos, gosto da lembrança do cheiro dos abraços que não nos demos... me alimento do gosto bom que tenho dos beijos que não te dei.
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