segunda-feira, 31 de maio de 2010
a versão nova de uma velha história
Te sinto chegar como sinto o cheiro doce de café emanar das paredes da minha casa assim que chego cansada em um finalzinho de tarde qualquer, com as mãos frias que se aquecem quando seguram firme a caneca e que também me esquenta por dentro quando me desce garganta abaixo. Vens de longe com uns olhos pequeninos que me dizem que carregar o peso de uma estrada não é cansativo quando a única coisa que queres é sentir a noite cair enquanto se enrodilha em meu corpo como bicho abandonado que procura abrigo. Trazes para mim de presente o ar de uma cidade que mora em mim e que cabe dentro da palma da minha mão, inalcançável que é, e me pertence dolorosamente sem que ninguém possa remediar minha saudade. Escolho minuciosamente o bom que me sobrou da vida para me despir de toda tristeza que me veste inteira e te dar beijos leves, porque já não posso mais oferecer do meu amor a dor dos laços desfeitos em nós, das conclusões vazias, dos pensamentos afogados, do fracasso, das mágoas acumuladas em mim como velharias esquecidas. Sobre estar só, eu sei, mas procuro incessantemente uma fuga e sei também que ela existe porque a procura também tu, e já guio meu rumo nos teus passos, comendo a poeira dos teus sapatos e engolindo como vinho todas as verdades saem da tua boca, me embriagando cada vez mais da tua inflação de sentimentos e vendo transbordar esta ausência quase palpável para todo canto de mim, que não existe mais um só pedaço do meu ser que não tenha teu nome escrito. Grito por dentro a todo instante que minha vontade é correr, sem saber exatamente pra onde, te acompanhando para onde fores porque espaço nenhum é mais meu do que aquele onde você simplesmente existe, e me basta. Não sou de grandes aspirações, bem sabes, e só exijo do mundo aquilo que me pode ser dado, mas tenho uma certeza imperdoável de que te encontrar e te guardar dentro de mim é a única coisa maior que eu que mereço e que posso agarrar sem medo. Enxergo uma distância absurda bem diante do meu nariz e teimo em te sentir o tempo todo ao meu lado, como uma presença colada em mim, que faz parte de mim, que sou eu; e que sou eu porque és meu reflexo e em nenhum minuto cessas de nascer em mim e para mim, e já fica difícil saber quem sou sem tua referência. Te amo dentro de um tempo que não passa, nunca passou – minha idade nunca foi mais que uma grande estagnação e só tenho agora, enquanto plano sobre um mundo grande demais para o meu tamanho, um único desejo: fica comigo.
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