quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Anotações sobre uma pequena epifania.

Eu disse: a lua está tão bonita que me dói por dentro. Ele não entendeu.”
Doeu. Virei para o lado, como num surto muito repentino de pensamento, um flash, passou rápido, ou devagar, não saberia precisar. Fechei os olhos e vi, dançando bem alí, na minha frente, infinitas cores. Bonitas, talvez, não sei. Fui remetida à um ritual. Pressionei as pálpebras, ficaram mais fortes, mais vivas. Corriam, de um lado para o outro, se exibindo aos meus olhos fechados; admirei o encanto daqueles sinaizinhos por alguns segundos que, depois, me pareceram ter sido horas. Desejei ardentemente que não desaparecessem. Abri os olhos, algumas ainda restavam, embora fossem se escondendo rápido, como se fugissem da luz que de repente rasgou o cenário negro daquela dança estranha, de cores. Pareciam astros, imaginei um céu e fechei de novo os olhos, tentando retomar aquilo que, para mim – no momento, pelo menos -, era quase mágico, mas todas elas haviam sumido. Meus pequenos astros se assustaram com a luz, pensei, e me pareceu cruel visto dessa forma; abri os olhos novamente, eles se foram. Enxerguei a parede, os azulejos muito limpos, a cozinha sempre branca. Empurrei o corpo um pouco p’ra baixo na cadeira, me movimentei para as lados ajeitando confortavelmente a coluna no encosto almofadado, concentrei minha mente no livro e voltei a ler.

É tudo tão bonito que me dói e me pesa. Fico pensando que nunca mais vai se repetir, é só uma vez, a única, e vai me magoar sempre. Não sei, não quero pensar.”
Meus olhos, não sei se contra minha vontade ou não, saltaram para fora daquelas palavras tão vivas, olhei para frente e vi um relógio. Não, não era um relógio, era só uma parte dele. O miolo, eu diria, só a pequena maquininha com algumas engrenagens minúsculas e dois ponteiros, não haviam números, nada, era apenas uma parte de relógio, assim, nu. São essas bondades penosas que me doem, eu refleti, quase como uma conclusão, uma descoberta, uma solução. E era tudo tão simples a minha volta que, por um instante, uma fração de segundo, eu achei que não poderia suportar. Como suportar essa simplicidade tão bonita e tão frágil de tudo que me cerca e me completa assim, simplesmente? Uma ternura estranha, grande, gorda, pesada, pareceu ter caído sobre mim, da mesma forma como havia acontecido outras inúmeras vezes, e eu não sabia da onde vinha; não vinha de lugar nenhum. As palavras, eu disse baixinho como um sopro, as palavras estão vivas, e me assustei; as palavras estão vivas, prossegui, as palavras estão vivas e me corroem por dentro. Não era só alí, naquela cozinha branca e limpa, com aquele cheiro de fim de tarde cinzenta, naquela solidão de casa grande, mas em todos os lugares. Um monstrinho interior que estava cansado, que avançava em cima de cada pedaço de sentimento que me chegasse perto. Quantas pessoas não fizeram disso um motivo para se perder, quase gritei, esperando uma resposta, fosse do livro, da parede, das cores, das palavras, de mim mesma. Uma piedade desumana brotou sem porquê. O relógio estava alí, parado, bem na minha frente, indefeso. Imaginei qualquer pessoa o atacando com força no chão, e ele se quebraria, se espatifaria, e eu não poderia fazer nada. Uma sensação de impotência caiu por cima dos meus ombros e quase me derrubou, porque eu, meu Deus, eu não poderia fazer nada, a não ser recolher os seus pequenos restos do chão e deixa-lo lá, novamente, em cima da mesa, quebrado, ferido. Se fosse gente, sentiria dor.

Literatura arruinou minha vida, pensei.

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